Em ação do MPE, TJSC declara ilegal a instalação de câmeras de filmagem nas salas de aula e sala dos(as) professores(as)

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Em julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Ministério Público Estadual (MPE), o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), declarou inconstitucional o artigo 2º, §4º, da Lei n. 2.212, de 20 de setembro de 2022, do Município de Rio das Antas, que estabelecia a colocação de câmeras de filmagem nas salas dos professores e salas de aula das escolas e CEIMs do Município.

O MPE e o TJSC tomaram a decisão de declarar ilegal o monitoramento no interior das salas de aula e das salas de professores pontuando questões fundamentais no assunto em foco:

1. Que a eventual necessidade de segurança não pode ser a qualquer custo e ferir os direitos “[..] à privacidade e à liberdade de ensinar e aprender, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, e, o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, previstos nos art. 5º, caput e incisos IX e XIII, 205 e 206 da Constituição Federal, reprisados nos art. 4º, caput, 161 e 162 da Constituição do Estado de Santa Catarina.”

  1. Que a “[…] instalação de maquinário para monitoramento do interior de salas de aulas e de salas de professores tem repercussões distintas, em especial quanto à prática pedagógica, interferência na produção de subjetividades, identidades e comportamentos, podendo resultar num controle excessivo sobre as atividades de professores e estudantes[…]”.
  2. Que a instalação de câmeras de monitoramento no interior das salas de aula e salas de professores das escolas públicas e centros de educação infantil “[…] viola o direito à educação e os princípios da proporcionalidade, liberdade de cátedra, pluralismo de ideias e de concepções pedagógica […]; que o uso de câmaras de filmagem dentro das salas de aula e dos professores, demanda análise mais cautelosa, que é necessário ponderar com zelo proporcional ao valor dos bens em cotejo, o impacto do uso de câmeras de vigilância na prática pedagógica e na vida dos docentes e estudantes […]; e que […] a garantia à educação é indissociável das condições de ensino. Nessa toada, está expressamente consignado na Carta Maior a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.”
  3. Que é preciso observar o art. 4° da Constituição Estadual: “O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados[…]”.
  4. Que é preciso observar o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90) que estabelece, em seu art. 15, que “a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”; e, no art. 17: “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” .
  5. Que já tem manifestação do STF, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n° 467 de 29-05-2020 que reconheceu que “[…] a referida norma [Art.206/CF] consolida a liberdade enquanto base do sistema de educação, estimulando a livre divulgação e o debate de ideias. Busca-se evitar a censura e a patrulha ideológica, uma vez que tais condutas acabariam por esterilizar o debate sobre questões polêmicas e relevantes, que devem ser apresentadas e discutidas entre professores e alunos, com a finalidade de formação de um pensamento crítico. É certo que a atividade de ensino e a aprendizagem deve se basear em estudos científicos e abordagens acadêmicas e pedagógicas. A par dessa exigência, professores e alunos devem ter autonomia para desenvolver os conteúdos abordados em sala de aula”.

Conclui o MPE e o TJSC que “[…] é, portanto, pela importância dos bens jurídicos em discussão que se torna necessário ponderar com cautela o impacto da instalação de câmeras de vigilância na prática pedagógica, e seu potencial para interferir na liberdade de ensino e na convivência entre docentes e estudantes […]; as câmeras instaladas dentro daqueles ambientes destinam-se, precipuamente, a observar servidores, professores e alunos. Tal fato tem o potencial de representar desconfiança com relação ao docente ou ao estudante, e também com relação à capacidade do educador de mediar potenciais conflitos. Resulta dizer que a dinâmica do ambiente pode sofrer alterações, e, consequentemente, também o comportamento de educador e educando e a relação entre os mesmos. […] Assim, no estágio do debate em que editada a norma e nos contornos em que apresentada, tenho que afigura-se desproporcional, na medida em que, em nome de direito à segurança – em tese resguardado por medidas outras – viola o direito à educação e à liberdade de ensinar, aprender, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber – todas, como dito, diretrizes fundamentais e reafirmadas constantemente em julgamentos recentes pela Corte Superior. […] a instalação das câmeras de monitoramento no interior de salas de professores e de salas de aulas das Escolas Públicas e Centros de Educação Infantil do Município de Rio das Antas, ainda que lastreada na proteção dos envolvidos, na prática pode resultar num controle excessivo sobre as atividades de professores e estudantes”.

A decisão do MPE e do TJSC é “uma luz no fim do túnel” nessa treva que a ideologia de Extrema-direita vem produzindo no Brasil, e muito mais no sul do Brasil,  que, por interesses ideológicos e políticos de poder e dominação, alimenta uma retórica perversa de deslegitimar a autoridade pedagógica do(a) Professor(a), e, ao invés de fortalecer o(a) Professor(a) como tradicional e insubstituível aliado(a) educador(a) das novas gerações, insinua e tenta transformar o(a) Professor(a) em potencial inimigo(a) das famílias e da religião.

Lizeu Mazzioni, Professor, Mestre em Educação pela UFFS, Presidente da Coordenação Municipal de Chapecó e Secretário de Formação e Comunicação do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Chapecó e Região – SITESPM-CHR.

Acórdão TJSC – é ilegal câmeras em sala de aula

Relatório TJSC – é ilegal câmeras em sala de aule

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